sexta-feira, 7 de outubro de 2011

ENTREVISTA COM O PROMOTOR DE JUSTIÇA - MAURÍCIO JOSÉ NARDINI

Nome: Maurício José Nardini
Profissao: Promotor de Justiça - Professor Universitário

Nascido em Ribeirão Preto - SP, possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1989), mestrado em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (2000) e doutorado em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (2006). Atualmente é professor titular do Mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente do Centro Universitário de Anápolis e Promotor de Justiça do Ministerio Publico do Estado de Goiás. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas: direito ambiental ministerio público, estatuto da cidade, meio ambiente e planejamento urbano.

Qual a importância dada aos psicólogos pelos profissionais do direito?

A Psicologia é importantíssima para o profissional do direito. O comportamento humano é um elemento importante para a compreensão do fenômeno criminal. Dentro do direito penal temos conceitos como o de " culpabilidade " , "domínio de violenta emoção" , ou de "delitos putativos" que dependem muito de conceitos psicológicos para a sua compreensão. Não podemos nos esquecer da importância do acompanhamento psicológico em todo o processo de execução penal. A criminologia é matéria obrigatória nos cursos jurídicos e é através dela que o profissional do direito tem um pequeno contato com a psicologia. A Epidemia do uso de drogas pesadas como o crack demanda hoje uma atenção especial dos operadores do direito e a contribuição da psicologia é fundamental para que possamos fazer valer o direito.

Do Direito penal para o Direito Civil, o profissional da psicologia representa um importante elemento nos processos envolvendo adolescentes infratores (o Estatuto da Criança e do Adolescente NÃO é uma lei penal). A lei estabelece que a aplicação do ECA deve levar sempre a situação mais favorável à criança e ao adolescente. Para saber qual (ou quais) caminho a seguir no seu veredito, o juiz sempre leva em conta o laudo pericial produzido pelo psicólogo.
Ainda no direito civil, nas varas de Família também o trabalho do psicólogo emerge com importância. Hoje, diante de problemas como a alienação parental, as novas modalidades de família, a regularização da situação jurídica dos homoafetivos, as "barrigas de aluguel”, tudo isso suscita atualmente questionamentos de ordem psicológica cujas respostas temos que buscar fora da área jurídica.

Como os profissionais de psicologia vêem ajudando na sua área profissional?

Conforme afirmei acima, são várias as interfaces do psicólogo na área jurídica. O importante é que o profissional da psicologia oferece ao Juiz uma prova de qualidade. Apesar das provas, no direito processual, não serem hierarquizadas, os laudos periciais "valem muito" diante das demais provas como as testemunhais ou ate mesmo as provas documentais.

Se a psicologia não tem influência direta na sua área profissional, por favor, relate algum caso conhecido até de outra área.

Conheço alguns casos de recuperação de drogaditos que a atuação do profissional da psicologia foi importante para o resultado satisfatório.
Deixa eu lembrar ...
O caso não é meu, mas conheço profundamente um caso de alienação parental que está dando muito trabalho. A mãe alega que o pai praticou abuso com a filha e com isso quer retirar a possibilidade de guarda e visita do ex-marido.E dá-lhe laudo psicológico com relação à menina supostamente abusada e dá-lhe laudo de sanidade mental para a mãe, enfim, um imbróglio jurídico e psicológico que a meu ver, todo mundo perde.Pelo menos uma coisa disso tudo a gente pode tirar: vocês terão muito trabalho pela frente, num mundo louco como esse (Rs).Esse caso ainda está em andamento,não sei o resultado.
Conheço outro caso em que duas filhas alegaram insanidade mental do pai a fim de interdita-lo e com isso gerir o patrimônio e a renda do coitado.
Pois ele contestou e conseguiu provar através de laudos psiquiátricos e psicológicos de que ele era sadio mentalmente e com isso conseguiu evitar a sua interdição.
Como sou promotor de meio ambiente há 13 anos, os casos criminais já se perderam no tempo, mas lembro de ter recebido auxílio do setor de psicologia quando tirava plantão no Juizado da Infância e Juventude, há um tempo atrás.

Em quais ramos do direito você entende que deve haver a atuação da psicologia em conjunto?

Na infância e juventude, especialmente nos processos de execução penal, o acompanhamento psicológico do reeducando é fundamental e decisivo nos procedimentos de progressão de regime e no acompanhamento de todo o desenrolar do processo de execução. No livramento condicional
isso sem contar uma coisa que esqueci lá atrás: o incidente de insanidade mental do acusado ,previsto na legislação, ele serve para a gente saber se o sujeito vai levar uma pena (se for são) ; ou "medida de segurança" ( se for mentalmente enferno).Só que aí, o trabalho é mais do psiquiatra que do psicólogo.E não estamos aqui para discutir ato médico. (Rs)
A vara de família também deveria ter uma interface mais forte com profissionais da psicologia. O Poder Judiciário poderia oferecer ao magistrado a possibilidade de poder contar com profissionais mais amiúde.
Dentro do Ministério Público de Goiás temos um corpo de psicólogos.
Tem a turma que acompanha as promotorias da infância. Tem as que acompanham as promotorias de Família.
E tem as psicólogas organizacionais que também são importantes para nós elas têm trabalho também.
Não é fácil manter a cabeça em ordem quando se vê tanta miséria pela frente. Miséria econômica, moral e espiritual. Os funcionários da área jurídica sofrem muito com os problemas que aparecem no dia a dia.
Uma vez uma secretária minha surtou. Ela estava do meu lado, e , sem mais nem menos, levantou da cadeira, veio em minha direção, deu um chute na minha canela e saiu.Sério!
Eu fiquei tão estupefato que não levantei da cadeira. Ela sumiu e meia hora depois ela atendeu ao telefone dizendo que estava numa praça escutando o canto dos pássaros. Isso foi em 2003.

Um argumento da psicologia sobre um comportamento delinqüente e fora da lei poderia mudar uma decisão judicial?

O laudo pericial pode sim mudar uma decisão judicial.Nos processos de execução penal, o laudo psicológico é decisivo.Em 99,99 % dos casos o juiz segue o laudo da psicóloga do presídio.O preso é que não pode saber claramente dessa responsabilidade do psicólogo na formação da convicção do juiz porque senão ele pode correr riscos. A decisão fica mesmo com o juiz.
Se o psicólogo contra-indiciar, uma saída temporária, um livramento condicional, uma progressão de regime, dificilmente o juiz vai contrariar
Tem o caso aqui de Goiás (que é de psiquiatria), daquele sujeito de Luziânia, que mesmo considerado psicopata foi colocado nas ruas e ainda matou mais uma meia dúzia de pessoas.
Voltando... Na Vara de Família, um laudo psicológico muda a convicção do juiz.
Muda não, forma a convicção do juiz.

Você concordaria na liberação prévia de um presidiário condicionado a um acompanhamento pisicoterápico?

Sim.Isso de certa forma já se faz com a equipe multidisciplinar que existe na vara de execução penal. Mas psicoterápico propriamente dito , nunca vi,mas é perfeitamente possível, dentro da lei.
Imagino que o trabalho do psicólogo na equipe multidisciplinar não é exatamente um acompanhamento psicoterápico ,é mais de diagnóstico.
Mas nada impede que seja designado, pelo juiz, um acompanhamento psicoterapéutico a um presidiário.
O problema é que , a atuação de vocês, especialmente nos processos de execução penal, acaba também sendo terapêutica.Só o fato de conversar com o psicólogo, por si só, é terapêutico.
Mas acho que em alguns casos o acompanhamento psicoterápico ajudaria bastante.Só quem fez terapia sabe como é importante.

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